Hoje, assisti em um telejornal do Globo News a um debate, cujo tema era "É necessário mentir?", em que se levantaram muitos lados dessa questão.
Por que mentimos? Viver em sociedade é impossível sem pequenas mentiras? Existe mentira branca, mentira leve? Segundo os debatedores, nossos atos têm consequências e, para conseguirmos nos relacionar em sociedade, é necessário mentir.
É claro que, aqui, trata-se de pequenas mentiras que são ditas para não ofender ou magoar as pessoas, como, por exemplo, se alguém muda seu visual e pergunta eufórica se a outra gostou - e ela não gostou -, mas responde que "sim, claro, ficou bom!". Mentiu.
Eu, sou sempre pela verdade e sinceridade nas relações, mesmo porque, talvez por um traço meu de ansiedade, sou transparente demais e não consigo sustentar uma mentira. Quem me vê, logo percebe. Mas num caso desses, talvez eu também mentisse, e talvez a pessoa até percebesse que mentia. É, mentiria, porque nem sempre é possível dizer o que pensamos. Segundo uma frase atribuída a Oscar Wilde, "pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal".
Foram entrevistados o especialista em grafologia e linguagem corporal Paulo Sérgio de Camargo, autor do livro "Não minta pra mim!", que é o resultado de muito tempo de pesquisa em sua área. Ele fala que é possível perceber que alguém está mentindo, apesar de algumas pessoas terem muita facilidade de mentir; que mulheres têm mais facilidade em mentir, até por uma maior facilidade que elas têm nos sinais de sua linguagem corporal, que os homens têm em menor número; e dos truques verbais de quem mente entre outras coisas, como a fala, a maneira de olhar, e de escrever.
A outra entrevistada, Adriana Braga, professora e pesquisadora da PUC-RJ, explica que a necessidade ou aceitação das mentiras, pequenas, ou não, depende muito dos grupos ou da relação que se estabelece entre as pessoas, ou seja, o que em um determinado grupo é aceito, noutro pode ser inaceitável, pela ética que cada grupo acaba, tacitamente, criando em suas relações.
E pode-se querer sempre a verdade? Talvez não, exemplo disso foi o comentário que um telespectador enviou ao programa confirmando não saber ao certo se mentir é o melhor, pois conta que, uma vez, ao ser abraçado por uma amiga numa festa de seu trabalho, percebeu que ficou a marca de batom em sua camisa; foi sincero com sua mulher contando o ocorrido; no entanto, ela não acreditou, brigaram e ficaram dias sem se falar. Pois é... Verdade e mentira estão ligados à confiança, necessária nas relações. Como equacionar isso sem ficarmos sempre reféns dessa nem-sempre-verdadeira necessidade de mentir? Qual é o limite? Isso é um mito? Uma falácia? Até que ponto é correto e moral mentir? Não se torna mais fácil mentir que se esforçar para viver com verdade numa relação? É... A questão é bastante complexa.
Conta o escritor que o brasileiro, culturalmente, é o povo que mais aceita a mentira, e, se observarmos bem, veremos esses tantos políticos que mentem, e todos sabem que mentem, mas não percebemos nas pessoas uma natural e esperada indignação.
Por acaso e coincidência, li no mesmo dia um texto intitulado "As várias faces da mentira", em que o autor, o psicanalista Flávio Gikovate analisa mais profundamente as causas que levam o ser humano a mentir. Para ele determinadas pessoas mentem para não parecerem frágeis ou inferiores diante daqueles que elas julgam mais fortes. E mentem também porque têm medo de se sentirem envergonhadas e serem alvos de ironias, o que lhes fere a vaidade.
Até aí, Gikovate trata da mentira usada como mecanismo de defesa. Exemplifica, por exemplo, com a pessoa tímida, que diz não gostar de festas; ou a pessoa gorda, que diz não gostar de praia. São pessoas que não querem se expor e recorrem ao que o psicanalista chama de "postura de natureza defensiva", ou seja, mentiras "que servem como armadura contra o deboche, as críticas e o julgamento alheio".
Para ele, mente-se para fingir que tudo está sob controle, "ainda que sentir medo e insegurança faça parte da natureza humana".
E eu fico pensando que esse mecanismo de defesa pode virar um hábito; e mentir, então, torna-se uma forma meio patológica de agir.
Parece-me que não estamos preparados para agir livremente, sem medo dos julgamentos nem sabemos ser francos, quando devemos.
Parece-me que não estamos preparados para agir livremente, sem medo dos julgamentos nem sabemos ser francos, quando devemos.
Gikovate, chama a atenção dessas pessoas, dizendo que poderiam acordar "para uma verdade óbvia e fácil de enfrentar. Aquele que me intimida é tão falível e frágil quanto eu". Lembrando: "e eu sou o outro que tanto lhe mete medo".
E esse assunto fica longe de se esgotar...
E esse assunto fica longe de se esgotar...
Medo, defesa, necessidade de se conviver em harmonia, seja como for, a mentira, em seus diversos níveis, permeia nossas relações e, acredito, é muito difícil afirmarmos ser melhor mentir, pois é importante lembrarmos sempre da ética nas nossas relações, do bom-senso e daquilo que também esperamos para nós. E finalizo com o pensamento do psicanalista austríaco Wilhelm Reich, que um telespectador enviou ao debate, dizendo ser norteador de seus atos, e que diz: "faz parte do meu respeito pelas pessoas expor-me ao perigo de dizer-lhes a verdade". Em tese, seria o ideal, concordo, mas seria possível?
Fica para cada um de nós refletir sobre a mentira, como lidamos com ela e as suas consequências em nossa vida e dos que estão à nossa volta.
Fica para cada um de nós refletir sobre a mentira, como lidamos com ela e as suas consequências em nossa vida e dos que estão à nossa volta.
Rita Ribeiro
"É necessário mentir?", Jornal Globo News, 07/12/2012
"As várias faces da mentira", artigo do pisiquiatra e psicanalista Flávio Gikovate
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