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A molécula do amor e da amizade


No ano passado, lendo alguns artigos na Revista Superinteressante e, também, na Veja, escrevi dois posts que tratavam de experiências feitas por neurocientistas mostrando o funcionamento bioquímico do nosso cérebro naqueles momentos mágicos de grande paixão e atração física entre homem e mulher. 
Segundo os artigos, a taquicardia, o nervosismo, o rubor na face, entre tantas outras sensações de prazer, que só os apaixonados sentem, ocorrem em virtude da liberação de neurotransmissores como a endorfina e a dopamina, entre outros. Explicam que a liberação se dá para homem e mulher se atraírem fisicamente e, passada essa fase de arrebatamento e atração, outra se seguir. É aquela em que, após o orgasmo e os momentos de grande prazer, um outro hormônio ser criado: a oxitocina (ou ocitocina) que inunda o nosso cérebro e é responsável pela conexão emocional entre os parceiros, ou seja, sua função é fazer surgir um elo de grande afeto. 
A explicação para isso estaria na união do casal com vistas à criação da prole e o início da família. E quanto maior a produção da "substância do amor", maior o afeto a envolver o casal. O curioso foi eu abrir a última edição da Revista Superinteressante e rever o assunto lá em matéria especial de capa intitulada "Amizade - Por que é impossível ser feliz sozinho?" A diferença, que até chamou minha atenção, foi o fato de a matéria tratar, não das relações amorosas, mas explicar a importância da oxitocina como responsável também pelo afeto que une os amigos, que nutre e cria as amizades. 
A matéria mostra, através de estudos feitos, que o homem sempre necessitou da amizade para a cooperação em sociedade, mas que depois, mesmo não necessitando tanto dela para a sua sobrevivência, ainda buscava a convivência dos amigos, pois tornaram-se relações de convívio prazeroso. Isso se explica pelo fato de nosso cérebro aumentar os níveis de oxitocina, quando conhecemos pessoas que são confiáveis e com as quais temos afinidades. É o que comprova experiências feitas pela Universidade da Califórnia. Hoje, sabe-se que, quando temos relacionamentos de amizade, seus efeitos são benéficos para a saúde, evitando uma série de doenças ou, pelo menos, diminuindo a probabilidade de desenvolvimento delas, além da influência do grupo sobre o comportamento dos amigos. 
Tem-se chegado à conclusão de que nosso cérebro tem se modificado com o tempo e as mudanças do mundo, além das novas situações que se apresentam ao homem. Esses estudos, hoje, podem explicar, por exemplo, por que nos parece impossível existir amizade entre homem e mulher sem se envolverem sexualmente. Em tese, a amizade entre homem e mulher sempre teve em seu início o componente da atração física, pois a oxitocina tem como função atrair fisicamente homem e mulher. No entanto, hoje em dia, esse hormônio é criado em número muito maior pelo nosso cérebro, espalhando-se por outras áreas dele, podendo mudar esse comportamento. 
Enfim, a oxitocina tem estado presente em nossas vidas em momentos de prazer e afeto, tanto sexual, quanto de amizade. Lembra a matéria, inclusive, das amizades das redes sociais, como Orkut, Facebook e Twitter, pelo fato de a internet ser um grande meio para que novas relações se estabeleçam, e, assim, abrir-se o leque de relacionamentos possíveis ao homem, o que é favorável. No entanto esses elos que se formam na rede, segundo os estudiosos, é mais fraco perto daqueles que se fazem na vida real, pois a presença, a proximidade e o toque das pessoas propiciam uma maior e mais intensa produção da substância no cérebro. "No fim das contas, ainda precisamos estar próximos das pessoas de vez em quando", acredita o antropólogo Robin Dunbar. 
Tais elos podem, mesmo sendo mais fracos, facilitar uma criação maior de amizades mesmo que iniciadas online, pois o cérebro, em alguns casos, "libera esse tipo de hormônio e, consequentemente, diminui os níveis de cortisol e ACTH, associados ao estresse". O que é positivo. Isso significa que o cérebro pode ter uma nova maneira de interpretar uma conversa "numa conexão eletrônica como se fosse um contato presencial". Alguns outros cientistas, tendo em vista a constante mudança que as experiências têm mostrado sobre nosso cérebro, acreditam que a tecnologia pode nos surpreender e romper a última barreira da amizade online. Diz ainda o antropólogo: "esses serviços não são bons o suficiente, porque não nos permitem tocar um no outro em realidade virtual. Ainda." 
E, se pararmos para analisar nossas vidas, veremos o quanto uma amizade é importante para nós. Amizades que duram por toda uma vida e são laços entre pessoas que, muitas vezes, têm muito mais afeto e afinidades que aqueles da nossa própria família. O interessante é a ciência mostrar como se comporta nosso cérebro numa tentativa de explicar aquilo que vivemos e já conhecemos bem. 
Parece-nos que há muito mais ainda a ser descoberto sobre os nossos relacionamentos e o funcionamento bioquímico do cérebro. O que mais descobrirão só o tempo nos dirá. E até lá continuaremos em companhia de nossos antigos e novos amigos, e dos que ainda virão a ser, pois "a chave da felicidade está nos amigos se tem."



* "Amizade - Por que é impossível ser feliz sozinho?", Revista Superinteressante, fevereiro de 2011

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