Mais de uma vez escrevi neste blog sobre o perdão e o esquecimento e, lendo uma matéria de capa do caderno Equilíbrio da Folha, cujo título era "Mil Perdões", tive vontade, então, de falar das desculpas. Desculpas que nem sempre se pedem nem sempre são aceitas. Você que aí me lê, costuma pedir desculpas?
Em uma época em que vemos disseminadas ideias como a importância da gentileza, que gera gentileza, a necessidade da gratidão pela vida, pelo que se é e o que se tem, entre outras atitudes necessárias para nosso próprio bem-estar e que tornam nossas relações interpessoais mais sadias, pergunto-me onde ficam os pedidos de desculpas...
Sim, pois ser gentil, dizer "bom dia", "boa noite", "obrigada", "por favor" são atitudes que devem fazer parte de nossa educação e, cá pra nós, são mais fáceis.
Não falo, aqui, daquelas desculpas que pedimos por alguma pequena falha, algum esquecimento, um atraso, ações que não deveriam acontecer, mas não chegam a ser um grande mal nem deixam ninguém tão ressentido. Dizemos então, "ah! me desculpa, foi mau...", e tudo bem... Essas desculpas saem quase automaticamente. Fácil!
Mas, e quando se atinge alguém de forma bem mais grave? Uma palavra mal colocada que cala e machuca; uma briga em que se usa de crueldade; uma brincadeira de péssimo gosto e atitudes dessas que, hoje, se discute tanto, em tempos de bullyng?
Enfim, existem diversas formas de se magoar e deixar ressentimentos difíceis de serem esquecidos. E se consertar uma situação ruim é o objetivo das pessoas, principalmente, se são de convívio próximo ou de relacionamento íntimo, são necessários os pedidos de desculpas, as retratações.
A dificuldade de pedir desculpas está, primeiramente, em reconhecer que se errou e que se magoou seriamente o outro. E essa atitude, tanto de pedir, quanto de aceitar desculpas é que nos permite viver socialmente, por isso tão necessários.
Para a psicoterapeuta Lúcia Rosenberg, "pedir desculpas é revelar-se ao outro", ou seja, a pessoa que se desculpa revela seu jeito de ser e, ao revelar-se, "propõe que o outro o veja com outros olhos e o entenda". Revelar-se ao outro requer o reconhecimento e o arrependimento pelo erro cometido.
Mas, será que as pessoas têm se mostrado dispostas a isso? Essa atitude, parece-me, é vista atualmente como algo humilhante ou até uma fraqueza, pois as pessoas estão cada vez mais voltadas para si mesmas, com um orgulho que as impossibilita de agir dessa forma.
Particularmente, vejo no pedido de desculpas uma atitude libertadora, pois o que vale a pena é o entendimento com o outro que compreende e o aceita. Orgulho e egoísmo nunca são saudáveis nem podem sustentar vínculos de companheirismo.
"As pessoas não percebem quanta honra e quanta coragem é preciso para pedir perdão. Não percebem quanta nobreza e quanta coragem há nesse gesto que parece humilhante", afirma a terapeuta.
E se pedir desculpas requer que coloquemos nosso orgulho de lado, aceitá-las também, pois dependendo do tamanho do mal causado ou da mágoa sentida, mais difícil acreditar no arrependimento e na mudança a que o outro se propõe, mesmo sendo sincera.
Nesses momentos o que ajuda é o grau de confiança que se construiu nessa relação e o quanto se acredita valer mais a pena apostar no futuro, a somente se apegar ao passado.
Tanto quanto o pedir, o aceitar desculpas também requer coragem, pois uma vez quebrada a confiança, difícil de imaginar se isso não poderia se repetir. E aceitá-las é apostar naquele com quem se vive e nutre algum sentimento profundo. Deduzo, então, que, para ambos, seja bastante libertador, porque isso implica num recomeço e num comprometimento.
Tanto é libertador que, no programa de tratamento de dependentes químicos "12 passos", o pedido de desculpas é o nono passo, pois para o programa, que é seguido pelos A.A. (Alcoólicos Anônimos), desculpar-se "é um exercício para treinar um novo jeito de viver. Quando peço desculpas, reforço meu propósito de mudança". É o que afirma Alexandre Araújo, presidente da ONG Intervir, para dependentes químicos. Este nono passo ajuda a reconstruir as relações sociais em outras bases. Daí a importância e a força terapêutica que tem o pedido de desculpas.
E se gentileza gera gentileza, perdão gera novos acordos e aproxima as pessoas que precisam esquecer suas tristezas e mágoas ou até ódios e rancores, propiciando reencontros e uma vida com muito mais leveza.
"Boa Desculpa", artigo publicado por Iara Biderman, no caderno Equilíbrio, do jornal Folha de S. Paulo de 04/06/2013
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