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Afeto não é peça de museu

Já escrevi aqui neste blog sobre o apego que temos pelos nossos objetos pessoais, outros nem tão pessoais, e os que nunca o foram. São as nossas roupas, sapatos, livros, enfim, todo tipo de objeto que compramos ou ganhamos, que muito nos serviram, mas que caíram em desuso um dia. E por caírem em desuso, acabamos guardando e nos esquecendo deles por muito tempo no fundo de uma gaveta.
Gostamos muito daquela blusa e nem por isso a usamos mais, mas também não nos desfazemos dela ou do livro, excelente, que também não relemos e se amontoa junto a outros tantos... Bom, estes são só alguns exemplos de nossa dificuldade em darmos outra finalidade ao que temos.
Eu não conseguia me desfazer facilmente de minhas roupas. Sempre achava que voltaria a usá-las e não as dava mesmo. Guardava. Comecei a mudar de ideia, quando mudei da casa de meus pais, que era grande, para meu apartamento, que é pequeno. Desfazer-me de muita coisa foi imprescindível.
E fui aprendendo que tudo que fica guardado, parado, ocupando espaço, sem utilização alguma, acumula energias que não fluem. E na vida tudo flui, o movimento é o normal das coisas. Se não uso algo preciso dar outro destino. A partir daí, comecei a ver tudo de forma diferente.
Com a  mudança de casa vieram outras mudanças, porque a maior delas acontecia em mim. Vida nova, casa nova, ciclo novo, energias novas. Não preciso me desfazer de tudo. Mas do que nunca uso, sim. E voltei a falar disso neste post, porque li um artigo* de Ivan Martins, editor-executivo da Revista Época em que ele conta que gosta muito de deixar guardados, dentro de suas gavetas, objetos que pertenceram a ex-namoradas ou a outras pessoas que, um dia, fizeram parte de sua vida.
Diz ele que tem "gente que vira as costas rapidamente para ontem e com rapidez ainda maior começa de novo, amanhã. Gente desapegada, que sai da vida dos outros deixando tudo para trás: móveis, afetos, objetos, fotografias, lembranças, meias..." E completa: "Eu não. A minha casa é o museu da minha vida." 
E ao ler isso vi logo que sou como "essa gente desapegada" que ele descreve, a não ser pelo fato de não me desfazer de afetos nem de lembranças, pois afetos e lembranças guardamos na mente, no coração e na alma. Nenhum objeto tira isso de nós. E é justamente esse o motivo pelo qual discordei dele.
O que o motivou a escrever sobre isso foi o fato de haver mulheres que não gostam de que seus namorados continuem guardando objetos e roupas que eram da "ex". Diz ele que "às vezes, uma mulher entra na vida de um homem determinada a apagar o passado."
Bom, há um pouco de exagero, penso eu, e acho até graça... Em tudo há que se ter bom-senso. De certa forma, concordo com essas mulheres no sentido de que, se buscamos vida nova com parceiro novo, por que esse apego assumido ao passado? Deve incomodar a pessoa que chega...
Ele mesmo, apesar de prezar o museu que vem criando no decorrer de sua vida, sensatamente, diz que essas mulheres não deveriam se preocupar, pois "o passado é inexpugnável: aquilo que está no guarda-roupa ou na cristaleira é apenas parte visível da memória e dos afetos. O que vai por dentro, muito mais importante, é invisível ao olhar". Aí concordo com ele, claro!
Mas fica uma enorme curiosidade aqui no meu pensamento: será que ele aceitaria assim tão facilmente uma namorada que guarda e usa, de vez em quando, aquela camiseta grande do "ex" para dormir? Será? 

Rita Ribeiro
[Sob Licença Creative Commons - Leia e respeite os direitos autorais]

* "Os restos da outra", artigo de Ivan Martins, editor-executivo da Revista Época, publicado em 13/07/2011

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