Hoje, fazendo faxina em minha estante, entre livros, revistas, artigos de jornais que eu separava ou que alguém me dava, encontrei um chamado "Sofrer por antecipação"* em que uma neurocientista fala do sistema nervoso e a interpretação errônea que os livros didáticos lhes dão ao dizer que servem somente para "detectar estímulos e responder a eles". Argumenta que, se assim fosse, um indivíduo mesmo que o fizesse "de forma coordenada e organizada, viveria eternamente no presente", não teria a noção de passado, o que o impediria de reviver experiências ou de fazer planos para o futuro e, consequentemente, não sofreria por antecipação.
E ao pensar nisso, conta sobre o dia em que seu pai fez uma cirurgia do coração e que, há semanas, seu cérebro já a torturava com os riscos que ele correria. Explica que ficava imaginando tudo o que poderia dar errado na operação, passando o dia todo desnorteada. Quem já não passou pela experiência de ficar pensando demais num acontecimento futuro sem saber o que poderia acontecer?
Explica ela que isso se deu pelo fato de, mesmo estando a quilômetros do hospital, no cérebro dela, o hipocampo era capaz de projetar para o futuro combinações de suas memórias sobre o pai e tudo o que acontecia nesse tipo de cirurgia, influenciando "o hipotálamo a fazer seu corpo sofrer de acordo". E hoje ela pode reviver essa situação, mas agora pode lembrar-se do que aconteceu e curtir seu pai que passa bem.
Ao ler esse artigo e ver a data do jornal, revivi um ano cheio de problemas e sofrimentos que passei junto de minha família, por causa de uma doença que acometia meu pai. E achei tudo isso muito curioso. Fiquei pensando e tentando imaginar que, além daquele sofrimento passado naquele momento, que até então era muito presente; talvez, eu também tenha guardado em meu cérebro sensações que pude projetar para um futuro; e sofri por antecipação também, bem como minha família, pois vivíamos uma situação cujo fim desconhecíamos. Não pude deixar de fazer essa analogia e perceber como tudo pode ter se processado.
E estamos sempre sofrendo por antecipação em diferentes situações e em diferente intensidade. No entanto, quando sofremos e, então chegamos a esse incerto futuro que se torna o nosso presente - o dia de hoje -, percebemos que, pelas experiências que passamos, a vida nos ensina que nada no futuro é tão ruim, que não sejamos capazes de superar.
A vida é feita de ciclos e nosso cérebro não só pode nos fazer sofrer por antecipação; como também pode nos fazer compreender e selecionar o que nos faz um pouco mais felizes. É claro que depende de um trabalho individual nosso também. Sem esquecer o tempo, esse, que nos é imprescindível e consegue transformar o que nos fazia sofrer em lembranças e memórias.
Rita Ribeiro
*"Sofrer por Antecipação", artigo escrito por Suzana Herculano-Houzel, neurocientista, professora e escritora, no Caderno Equilíbrio do Jornal Folha de são Paulo, em 11-09-2008
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