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Viver sozinho é melhor?


Li uma entrevista de Flávio Gikovate* em que ele discute o fim do amor romântico e diz que "viver sozinho é melhor". Fala da grande maioria de casamentos infelizes em que "não há confiança recíproca nem sinceridade". E que isso ocorre porque são pessoas, na sua grande maioria, diferentes - um sempre é mais genioso e egoísta; o outro mais tolerante e discreto. Para ele, no início sentem-se felizes, mas a tendência é de que com o tempo as diferenças comecem a criar conflitos e o final disso, diz o psiquiatra, é a separação. Conta que aconselha a seus pacientes: "se tiver de escolher entre amor e individualidade, opte pelo segundo"
Expõe também que há muitos solteiros felizes que "levam uma vida serena e sem conflitos". E que estes, quando sentem a sensação de desamparo que um solteiro pode sentir, resolvem o problema "sem ajuda", "com paciência e treino" indo ao cinema, lendo um livro e assim "driblam o problema"
E me pergunto, se são felizes mesmo. Não sei... Diz que os solteiros que pensam que "é impossível ser feliz sozinho", são infelizes, pois essa ideia de Vinícius "caducou"
Respeito muito Gikovate e sei que suas ideias são baseadas em fatos, depoimentos e estatísticas dos casos que passam por seu consultório. Não questiono o psiquiatra, questiono a fórmula que passa: viver sozinho. Ora, se as pessoas não conseguem conviver, abrir concessões, modificar-se no que podem, sem com isso ferir seus sentimentos, se não têm a capacidade de construir algo com alguém; não é a instituição "casamento" que é problemática, mas o fato de as pessoas não acharem que vale a pena. 
Individualidade não é o mesmo que egoísmo, mas são muito próximos. Concordo com ele que numa relação não se pode viver em função do outro, em detrimento de si mesmo. Porém, venho percebendo que tem ficado mais fácil abdicar de uma vida a dois do que buscar uma mudança através do diálogo, do companheirismo, da cumplicidade, da amizade e do amor. 
Gikovate diz que, hoje, a mentalidade de homens e mulheres modificou-se, pois mantêm-se solteiros até que um dia possam encontrar a pessoa com quem realmente tenham afinidades. Isso é uma forma razoável de se encarar a questão, com a qual até concordo. Mas isso não é garantia de que ao se casarem - ou mesmo viverem cada um em suas casas -, algum tipo de conflito não surgirá. Creio que, quando o egoísmo e as dificuldades de convivência começam a falar mais alto num relacionamento, não é o casamento o problema, mas a ausência da vontade e do amor e aí surgem incompreensão, impaciência, falta de diálogo entre muitos outros problemas, inclusive a traição. Então, será que evitar tudo isso vivendo sozinho é melhor? 
Acredito que seja mais fácil, o que é bem diferente. Solidão não se dribla. O grande problema é a convivência, pois todos nós somos diferentes uns dos outros, pela genética, pelo meio vivido, pela criação, educação e cultura. Concordo que ter afinidades com o parceiro faz a diferença para que um relacionamento dê certo, morando juntos ou não. Mas evitar a convivência para ser feliz é abdicar também de fazer trocas, aprender e passar algo de bom para o outro, ou seja, experimentar. É abdicar de construir algo junto de quem se ama. Se isso já não é possível, é o amor que acabou. E dessa forma, é melhor que haja mesmo a separação. 
Não creio que, em função disso, para voltarem a ser felizes as pessoas precisem viver sozinhas, mas a recomeçar, ou seja, buscar felicidade com outra pessoa, não ter medo de nova união, principalmente por ter passado pela experiência e saber o que pode dar certo ou não. Precisamos ser felizes sozinhos com nossos sentimentos, pensamentos e conquistas; mas é sempre muito melhor termos alguém ao lado - um companheiro, um parceiro, uma pessoa que nos faça mais felizes. 
O ser humano busca seu par. Ir contra isso é ir contra os seus instintos, sua natureza. Isso não se consegue "driblar"; por um tempo, talvez; para sempre, não. E fico mais certa disso, quando vejo o psiquiatra respondendo que quanto à vida sexual, nem sempre amor e sexo se combinam numa relação em que há afinidade e companheirismo, e naquelas em que o sexo com pessoas desconhecidas "ou quase isso", é "quase sempre, muito pouco interessante", pois "quando acaba, as pessoas sentem um grande vazio". "Não é algo que eu recomendaria", completa ele
Então, pode-se ver que não há fórmulas nem nada que possa garantir a felicidade das pessoas, que não seja o conhecimento de si mesmas e o reconhecimento do quanto estão dispostas a conceder em nome do companheirismo, da boa convivência e do amor, ou seja, a construção de uma vida a dois em que se aprende, se cresce e se conquista muito. E tudo isso só é possível se há amor verdadeiro.


* Flávio Gikovate, psiquiatra e escritor, entrevista a Veja.com


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Comentários

  1. Gostei muito do post. E meu pensamento é exatamente esse... não há fórmulas... não há manual de instruções... justamente porque o ser humano é complexo e imperfeito demais... e não seria humano se não fosse essa complexidade e essa imperfeição. Eu nunca acreditei em tendências comportamentais... para mim cada pessoa tem seu momento e sua peculiaridade. Nisso eu sou profundamente lacaniano. Cada pessoa é mais do que simplesmente ela mesma... é também o conjunto de tudo o que viveu e do que aconteceu ao seu redor.

    Adoro ler seus textos! :)

    Beijos!

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  2. Belíssimo texto, sister!
    Essa discussão será atual por muito tempo, ainda...estamos apenas no início de um processo de mudança. Ele começou lá trás, no século passado, com o advento da pílula e a ascensão da mulher no mercado de trabalho e sua natural emancipação. O que está por vir, promete...
    Beijos!

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