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Afetos e rupturas


"Todo vínculo que criamos com alguém é o embrião de uma ruptura."

(Flávio Gikovate) 

Já escrevi várias vezes sobre rupturas, que são necessárias, porque nada se perpetua, tudo muda, tudo está em constante movimento, em constante transformação, inclusive nossa vida e nossas relações.
E sua fala foi além, pois ele afirma que no momento em que nasce uma relação nasce também o seu fim. Entendo que relacionamentos não são eternos, e era exatamente a isso que ele se referia. Mas, quem se apaixona e inicia uma relação, é claro, não vai pensar em seu fim.
E quando se pensa nisso, então? Bom, isso vai-se descobrindo com o tempo, com a convivência. Os casais vão criando certas regras de forma tácita, fazendo acordos. Se ambos são pessoas com grande afinidade e objetivos comuns, esses acordos são mais fáceis, são alinhavados com o amor e o companheirismo, a admiração e o respeito, características daqueles que conseguem relações estáveis e duradouras.
Ao contrário, se o que os uniu foi somente a paixão que quase sempre é efêmera, com o tempo as pessoas vão se percebendo muito diferentes entre si. E, como a convivência vai revelando como cada um é ou o que tem a oferecer, é fatal que brigas e desentendimentos surjam. Nada pior que relações em que o desentendimento é constante e nem sempre existe um esforço para se refazer.
Em uma das crônicas de Ivan Martins, ele fala das dificuldades de se enfrentar as brigas. Segundo ele, "nem todo mundo percebe, mas o pesar que a gente carrega depois de uma briga é uma forma severa de luto." Parece um exagero? Não, não acho. Brigas sempre são destrutivas, e se começam a ser constantes, criam um ambiente hostil e um grande desgaste para aqueles que deveriam ter uma "natural inclinação para a ternura", como diz o escritor.
Flávio Gikovate, ao falar das rupturas o fez em resposta a uma mulher que o consultara, dizendo que seu relacionamento estava muito complicado pela distância, pelas saudades dele, enfim, percebia-se que a dificuldade parecia mesmo ser maior que o desejo de continuar a buscar a felicidade do casal.
Para o terapeuta, apesar de a ruptura de um vínculo afetivo ser difícil, é preferível que uma dor maior aconteça a tentar manter uma situação de sofrimento. À essa dor do fim do vínculo afetivo, o psicoterapeuta chama de "dor da morte", que seria, simbolicamente, matar o outro em sua vida, o que faz sofrer, deixa marcas, mas depois chora-se tudo o que há para se chorar, para poder viver novamente.
De outra forma Ivan Martins fala sobre o luto, quando afirma que "quem lida com a discórdia todos os dias acaba vivendo em luto. Antecipa o pesar da ruptura." Para ele, cada briga "é uma sensação dolorosa de perda", e acrescenta, "mesmo que alguma forma de conciliação [os] resgate".
Nos relacionamentos, para se viver minimamente bem é preciso um esforço. E isso não depende só de um, mas do outro também. Cada um é um, viveu diferentes experiências, pelo tempo, pelo conhecimento, pela educação. E, nesse encontro o sentimento, o desprendimento e o grau de afinidade que se tem é que determinará a qualidade da relação, apesar de que, em questão de amor, o imprevisível acontece.
É preciso haver respeito pelo espaço do outro, se também é o que se quer; é preciso lutar pelo que se pensa mas, saber ceder, aceitar as diferenças. Caso contrário, como diz Ivan Martins, "quem bate boca todos os dias está se preparando para virar a página".
Fiquei pensando nisso e lembrei-me de um namoro meu, em que o combinado era nunca nos despedirmos magoados ou irritados por causa de uma briga, porque se o mais importante é estarmos bem, brigas não são mesmo um sinal de bom ânimo daqueles que se amam.
A sensação que cada briga nos deixa, quando ela se torna constante, é de desgaste, de tristeza e, se mal-resolvida, deixa algo trincado que, para o cronista, "é um ensaio de separação".

Rita Ribeiro

"Todo vínculo que criamos com alguém é o embrião de uma ruptura", Flávio Gikovate, médico psiquiatra, psicoterapeuta e escritor, no programa "No divã de Gikovate", da Rádio CBN, 25/07/2013

"Ensaios de Separação", crônica de Ivan Martins, editor-chefe da Revista Época e escritor, 13/03/2013

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