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Triste apego ao que não há mais

Há um tempo, uma pessoa me pediu para ler um artigo de Danuza Leão em que a escritora fala das dificuldades que sente ao rever fotos e objetos que foram guardados justamente como lembrança. Estranho? É.
Conta em seu texto que se entristece ao ver fotos de situações vividas, pessoas com quem se relacionou ou qualquer outra coisa que a faça lembrar-se de tempos mais felizes... E indaga-se: "por que as pessoas guardam as coisas para se lembrar, se elas querem é se esquecer?"
A pessoa que havia pedido para eu ler o artigo pensa um pouco como Danuza. Sente certa melancolia ao ver fotos antigas ou quando se lembra de coisas boas, mas que ficaram no passado.
Guardar fotos, objetos ou qualquer outra coisa como lembrança é algo saudável, pois se guardamos, é porque o que foi vivido nos fez muito bem. Se hoje, revendo e relembrando, sobra tristeza e melancolia, o problema não está em se guardar lembranças, mas em não querer relembrá-las.
Talvez isso mostre que algo vivido ficou mal-resolvido ou, pior, a pessoa sinta que suas alegrias estavam lá naqueles momentos. Mas e hoje? Não sobrou nada de bom? Por que algumas pessoas se apegam tanto ao que já foi a ponto de fazer de hoje só melancolia?
Existem também aquelas pessoas que tentam mudar o jeito de ser, de se vestir, mudam de cidade, mas não mudam o que é essencial: não mudam a si mesmas e o que sentem. Se não resolvermos nossos sentimentos, nossas tristezas, culpas, insatisfações, podemos mudar até de planeta, mas essa melancolia sempre estará junto de nós, porque faz parte de nossa história, de nossa vida. Mudanças precisam acontecer em nossa essência, em forma de pensar, em forma de viver, em nossa forma de ver a vida. É aquela história de que devemos "virar a página" do que passou, esquecer de verdade e tentar fazer do dia de hoje o momento de buscar ser feliz e, assim, escrever nova história.
Essa mistura de tristeza, rancor, melancolia é uma grande insatisfação com o que se vive hoje, com o que se é hoje. E se não se modificar essa forma de sentir a vida, todos os dias serão cinzas, tudo será ruim, nada será minimamente gratificante e ficará a impressão que tudo lá no passado foi melhor. E talvez nem tenha sido assim.
Como tentar ajudar uma pessoa assim? Até podemos conversar, aconselhar (e também corrermos o risco de sermos malcompreendidos, invasivos, sei lá...). Nem sempre as pessoas aceitam o que dizemos. É que cada um tem seu tempo de descobrir por que não está bem e por que um simples momento cristalizado numa foto cristaliza também tantos sentimentos negativos.
Como fazer pessoas assim verem que há coisas bonitas na vida, que sempre há, junto das dificuldades alguma coisa boa? Ou, ainda, que aquilo que foi ruim pode ser motivo para um aprendizado e uma mudança de atitudes? Atitudes mais saudáveis, que tornem a vida mais leve, mais fácil, menos triste.
A vida vai em frente como o rio que flui. A única coisa para a qual nos serve o passado é nos ajudar a ver o que pode ser mudado, a rever nossa vida e buscar crescer, compreender melhor as atitudes que nos fazem bem, e as que não.
Não existem regras, somente o tempo e a vontade de mudar e dar o primeiro passo para uma vida diferente, sem a qual se continuará vivendo no triste apego ao que não há mais.

Rita Ribeiro

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