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Medo e serenidade

"Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá"

(Lenine e Pedro Guerra)


Nunca escrevi sobre o medo, apesar de ser um assunto que me interessa bastante. Mas, hoje encontrei uma entrevista que o filósofo francês Luc Ferry concedeu à Veja, na qual ele, entre outras coisas, diz que a felicidade não existe, mas a serenidade. "Temos momentos de alegria mas não temos um estado permanente de satisfação." 
A serenidade, segundo o filósofo é a superação do medo, pois é o medo que impede as pessoas de viverem bem, sempre tão voltadas para si mesmas, impedindo-as "de sorrir e de pensar de forma inteligente e com liberdade".
Para ele, existem três formas básicas de medo. A timidez é a primeira delas, que acontece quando se está diante de alguém importante ou se precisa falar em público. "É uma pressão da sociedade", segundo ele. Outro medo seriam as fobias: medo de escuro, medo de barata, medo de altura. E por último o medo da morte.
No entanto, o filósofo, ao descrever o medo da morte não se refere necessariamente ao medo biológico, mas ao medo de perdermos nossos familiares, medo das separações ou qualquer outro tipo de medo que traga para nós a ideia de algo "irreversível", algo que não acontecerá novamente. A isso ele chama "medo em vida".
Esse "medo em vida" me remeteu ao fato de eu ter conhecido facetas diferentes da síndrome do pânico, vivenciado  por colegas de trabalho, amigas e por mim, mas todos de formas diferentes com sintomas apenas físicos, outros psicológicos como um determinado medo, incompreensível ou ilógico.
Hoje o pânico classifica-se como um transtorno de ansiedade, ou seja, quando a ansiedade de uma pessoa extrapola seus limites e ela passa a sofrer em suas atividades normais como o trabalho, os estudos, a convivência em família, entre outras. É uma válvula que a pessoa encontra para descarregar a pressão que sofre.  O que eu não compreendia era pânico por quê? Medo de quê? 
As pessoas que eu conheci, como eu, não sentiam um medo concreto da morte, um medo consciente, mas hoje compreendo que poderiam ter sentido esse medo a que se refere o filósofo. Algum acontecimento em suas vidas levou-as a sentir esse medo de perder algo irreversível, esse "medo em vida". Algo que nunca mais elas contemplariam. 
Se pensarmos bem, sofremos diversas perdas durante a vida, umas que nos fazem sofrer pouco, algo passageiro; outras mais dolorosas, que precisam de tempo para se superar; e outras mais difíceis que, são mais marcantes e até traumatizantes. 
Ter medo é normal e faz parte da vida, é modo até de nos protegermos, mas existe o medo que pode se tornar paralisante e, portanto, patológico. E no conceito de que devemos esquecer o passado e não pensarmos demais no futuro está a solução para o problema.
Sabemos que o dia de hoje é o único que podemos (e devemos) viver, pois é a "única dimensão real do tempo", mas sempre voltamos ao passado ou projetamos no futuro a nossa pretendida felicidade, até  inconscientemente. E por isso sofremos.
Como superar o medo, então? Tanto a religião como a filosofia, e também a psicanálise, objetivam levar o homem a superar o medo, a conhecer-se, a refletir, a encontrar caminhos. No entanto, para isso é necessário mais que fé, mais que esperança, mas uma reflexão profunda de como temos vivido, o que temos priorizado, o que queremos e quais são nossos objetivos na vida. Precisamos ver, acima de tudo, se estamos cuidando de nós mesmos, se temos qualidade de vida. Essa busca por serenidade é longa e difícil, um desafio até. Mas é também essa serenidade que talvez nos facilite uma maior abertura para o amor e a vida.
Um dia, escrevi um post, aqui neste blog, sobre a necessidade de buscarmos mais serenidade para nossa vida, por vivermos muitas emoções e sempre muito intensas, o que nos perturba e nos tira do foco. Curiosamente, uma leitora perguntou-me, nos comentários, se eu praticava o Zen Budismo, pois ali eu descrevera parte dos conceitos dele, e eu até me surpreendi. Em um outro post em que abordei o tema tristeza e felicidade, um leitor anônimo comentou, dizendo que "serenidade é um tipo de alegria que se vive mesmo na tristeza". Achei muito interessante...
E, hoje, parece que liguei tudo isso em meus pensamentos. Acredito que já venho refletindo, há tempos, sobre felicidade, serenidade, alegria e dias mais prazerosos, aliás, como todo mundo faz.
E é esse o objetivo, a compreensão de como a vida vai se modificando e como algumas coisas se vão para outras surgirem e mostrar a nós que mesmo o irreversível pode dar lugar a algo melhor, pois são as transformações necessárias ao nosso crescimento e ao entendimento do que somos.
Para finalizar, volto ao filosofo Luc Ferry a contar que para os sábios gregos, todos teríamos um lugar no universo, no cosmos que, para eles, era eterno, belo e perfeito; todos nós seríamos um fragmento da eternidade, fragmento desse cosmos e, portanto, não precisaríamos ter medo da morte, como eles não tinham, porque a morte não deveria significar nada, apenas a conciliação do ser com o cosmos.
Achei muito bela essa visão, profunda e, de certa forma, até verdadeira.
Mas essa é uma outra história...

Rita Ribeiro
Posts mencionados:
"Entre emoções intensas, serenidade...", publicado neste blog em 20/02/2009
"Somos ou ficamos tristes?", publicado neste blog em, 23/08/2008

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