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As pessoas da nossa história


Achei muito interessante uma crônica* de Ivan Martins em que ele conta como muitos de seus amigos mantêm a amizade de suas ex-mulheres, enquanto ele se lamenta por ter perdido contato com algumas das mulheres que passaram por sua vida. 
Diz ele que "se cada uma das pessoas do passado conta um pedaço da nossa vida, há vários pedaços dele que se perderam". E porque ele permitiu... Mas será que se perderam mesmo?
Para ele, tudo que passamos na vida, passamos com alguém junto de nós, com quem partilhamos o que vivemos e sentimos desde a adolescência até a idade madura. E isso é o que realmente acontece.
Durante a vida vamos partilhando nossas descobertas, vitórias, tristezas e alegrias com aqueles com quem vivemos, por isso a importância dessas pessoas em nossa história.
Mas lendo o artigo, percebo que ele analisa com a razão, e do presente, o quanto as pessoas foram importantes em muitos momentos de seu passado em que o que o guiava era a emoção. Hoje ele pode sentir a importância delas e lamentar tê-las perdido, "para o azar dele", como ele mesmo diz.
Olhar para o passado e ver acontecimentos e pessoas significativas para nós mostra que elas deixaram  a lembrança de bons momentos, que hoje fazem parte de nossa memória, são parte de nossa história e até de nossa identidade. No entanto, a ausência delas em nossas vidas não pode nem deve ser motivo de tristeza, pois  tomamos novos rumos, mudamos e passamos por muitas outras experiências. Nenhum de nós será o mesmo sempre. Tudo muda. 
Manter a amizade com pessoas com as quais se teve algum tipo de relacionamento amoroso nem sempre é algo fácil, talvez até pela intensa intimidade que se viveu com elas. E nem o distanciamento, tanto de tempo quanto de espaço, são uma garantia. O que não muda são as memórias do que a pessoa significou para nós e o que significamos para ela, o quanto nos fizeram aprender e o quanto ambos pudemos crescer com a convivência.
Concordo com o escritor quando diz que, muitas vezes,"a pessoa passa pela nossa vida de um jeito rápido, quase acidental, e, anos depois, por força das memórias que insistem em voltar, a gente percebe que ela sobrevive em nós, apesar de ter estado tão pouco tempo conosco".
Acredito que nada acontece por acaso e todas as pessoas passam por nós com um propósito, mas vejo essa passagem como um ciclo que um dia pode se findar. Chega a hora de novos caminhos e das rupturas. Tenho aprendido e tentado ver com naturalidade que tudo pode ter um fim para que algo novo possa ter início. Nem sempre isso é algo que nos traz alegria, mas o que vem a seguir pode ser muito bom, compensador até. 
Ao contrário, para  Ivan Martins, a vida "vista de um jeito triste é uma longa enumeração de perdas". Ele mesmo admite que as rupturas são necessárias para que algo novo venha a acontecer e alerta o leitor para ter cuidado ao jogar pela janela relações valiosas, pois, segundo ele, "não há tantas delas assim numa única vida".
Não há regras quando se trata de relacionamentos - e seja de qual tipo for -, portanto, pode ser que alguém  volte a fazer parte de nossa vida novamente, ou não. Muitas vezes perdemos o contato de amigos e até de pessoas com as quais tivemos relacionamento mais profundo, mas por força de circunstâncias que a própria vida nos impõe. Por isso, não devemos ser tão rígidos e nos cobrarmos por não tê-las, hoje, próximas de nós. 
E se "cada uma delas leva consigo um pedaço da história da nossa história" como ele bem diz, continuam sendo parte de nossa vida. Mesmo ausentes mantêm-se presentes em nossa memória e em nosso coração. E isso não pode ser considerado uma perda, mas um ganho.

Rita Ribeiro
[Sob Licença Creative Commons - Leia e respeite os direitos autorais]

* "O outro que há em nós", crônica de Ivan Martins, editor-executivo da Revista Época


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